Projeto da Dosimetria da Pena busca corrigir excessos em crimes contra Estado Democrático
Juristas defendem ajuste legislativo para restaurar proporcionalidade penal e evitar punições superiores a crimes como homicídio.
Um movimento liderado por juristas e parlamentares defende a revisão das penas aplicadas aos crimes contra o Estado Democrático de Direito, introduzidos pela Lei nº 14.197/2021. O chamado "Projeto da Dosimetria da Pena" não questiona a responsabilização, mas busca corrigir o que especialistas chamam de "inflação punitiva" e "superposição indevida" de tipos penais, que resultariam em condenações desproporcionais.
O ponto central do debate é a aplicação cumulativa dos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L) e de golpe de Estado (art. 359-M). Segundo os defensores do projeto, essa prática tem gerado penas que, em alguns casos, se equiparam ou superam as previstas para crimes contra a vida, como homicídio e latrocínio, criando uma inversão na hierarquia dos bens jurídicos protegidos.
Princípio da Proporcionalidade em Foco
O jurista e líder religioso Silas Malafaia, articulista do iG e presidente da Comissão Especial de Juristas Evangélicos e Cristãos da OAB, argumenta que a defesa da dosimetria é um "imperativo constitucional". "A punição é necessária. O excesso é que corrói o Estado de Direito", escreveu em artigo. Para ele, o projeto visa "restaurar a proporcionalidade, a racionalidade e a legitimidade do sistema penal", sem abolir tipos penais ou negar a responsabilização.
O princípio da proporcionalidade, reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), opera em três planos: adequação (a pena deve servir ao objetivo), necessidade (não pode haver meio menos gravoso) e proporcionalidade em sentido estrito (o benefício deve superar o sacrifício). Os críticos da aplicação atual afirmam que esse equilíbrio se perde quando crimes políticos recebem tratamento mais severo do que crimes contra a vida e a dignidade humana.
Risco de "Bis in Idem" e Inflação Punitiva
Um dos argumentos técnicos centrais é a violação ao princípio do ne bis in idem material, que veda punir duas vezes pelo mesmo fato. Juristas sustentam que os crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático muitas vezes descrevem etapas de uma mesma empreitada, protegendo o mesmo bem jurídico. A punição cumulativa, portanto, representaria uma "fragmentação artificial".
O projeto propõe a positivação legislativa de critérios dogmáticos clássicos, como consunção e subsidiariedade, para impedir que a multiplicação de tipos seja usada como "instrumento artificial de elevação da pena". A comparação com outras penas do Código Penal é usada para ilustrar o desequilíbrio: o homicídio simples tem pena de 6 a 20 anos, enquanto a acumulação nos crimes contra o Estado Democrático pode facilmente ultrapassar essa faixa.
Dosimetria não é Anistia, Defendem Especialistas
Os proponentes do projeto são enfáticos em diferenciar a dosimetria da anistia. "Anistia extingue punibilidade, apaga o crime e possui caráter político excepcional. Dosimetria, ao contrário, é técnica penal de medição da pena", explica o texto de referência. O ajuste não absolveria réus, extinguiria tipos penais ou eliminaria antecedentes criminais, mas recalibraria faixas de pena e corrigiria mecanismos de cumulação considerados indevidos.
O debate também envolve a competência do Poder Legislativo. Defensores argumentam que o Parlamento tem atribuição constitucional para revisar políticas criminais desproporcionais e que a aplicação retroativa da lei penal mais benéfica é garantia expressa na Constituição Federal (art. 5º, XL).
Contexto e Próximos Passos
A discussão ganha força em um cenário de julgamentos de pessoas envolvidas nos atos de 8 de janeiro de 2023. O projeto se apresenta como uma correção de rota para evitar que, na visão de seus idealizadores, o Direito Penal seja usado com "lógica vingativa" e se transforme em "instrumento de guerra permanente".
O próximo passo é a formalização de uma proposta legislativa concreta, que deverá tramitar no Congresso Nacional. Enquanto isso, o debate entre juristas, parlamentares e a sociedade civil sobre os limites da punição em um Estado Democrático de Direito deve se intensificar, colocando em xeque o equilíbrio entre a necessária responsabilização e os excessos que podem minar a legitimidade do próprio sistema.
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