Evento Carrington de 1859 serve de alerta para riscos de tempestades solares atuais
Fenômeno que parou telégrafos no século XIX causaria colapso em satélites, redes elétricas e GPS se ocorresse hoje.
O maior registro de tempestade solar da história, conhecido como Evento Carrington, ocorreu em 1859 e voltou ao centro das discussões científicas. O fenômeno é analisado diante do aumento da atividade solar e da dependência global de sistemas tecnológicos sensíveis ao clima espacial, conforme explica o pesquisador Luis Eduardo Antunes Vieira, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Tempestades solares são um conjunto de fenômenos originados na atmosfera do Sol que podem interagir com a Terra e seus sistemas. "Esses eventos estão ligados à evolução do campo magnético solar e seguem um ciclo aproximado de 11 anos, conhecido como ciclo solar", detalha Vieira, pesquisador titular da Divisão de Heliofísica do INPE.
O episódio histórico e seus efeitos
O evento recebeu o nome do astrônomo britânico Richard Carrington, que observou uma intensa explosão solar em 1º de setembro de 1859. Horas depois, uma poderosa ejeção de massa coronal atingiu a Terra, desencadeando uma tempestade geomagnética sem precedentes.
Na época, os sistemas de telégrafo em todo o mundo entraram em colapso, operadores receberam choques elétricos e auroras boreais foram avistadas em regiões tropicais, como o Caribe e partes da América do Sul. A sociedade da época, no entanto, não dependia de satélites, internet ou redes elétricas complexas, o que reduziu drasticamente os danos potenciais.
Impactos potenciais na era moderna
Caso um evento da mesma magnitude ocorresse nos dias atuais, estudos da NASA, da NOAA e da Agência Espacial Europeia (ESA) indicam riscos elevados para sistemas críticos. A lista inclui satélites de comunicação e GPS, redes de distribuição de energia elétrica, sistemas de aviação e transações financeiras globais.
Vieira destaca que até eventos solares moderados já causam prejuízos relevantes. Em fevereiro de 2022, uma tempestade solar levou à perda de 38 dos 49 satélites Starlink recém-lançados pela SpaceX, devido ao aumento do arrasto atmosférico. Em novembro do mesmo ano, a Airbus emitiu um alerta sobre a vulnerabilidade de sistemas de controle de voo da família A320 a partículas energéticas, resultando em inspeções em massa e atualizações de software com alto custo para companhias aéreas.
Processos de um evento solar extremo
De acordo com o pesquisador do INPE, eventos solares extremos envolvem três processos principais: uma explosão solar (liberação abrupta de radiação), uma ejeção de massa coronal (nuvem de plasma magnetizado) e um fluxo de partículas energéticas. Para comparação, o vento solar típico tem velocidade média entre 300 e 400 km/s, enquanto ejeções extremas podem ultrapassar 1.000 km/s, chegando em casos raros a 2.000 km/s.
Os efeitos de uma tempestade solar não chegam todos ao mesmo tempo. A radiação eletromagnética leva cerca de 8 minutos, as partículas energéticas de minutos a horas, e a ejeção de massa coronal, que carrega o campo magnético, leva entre um a três dias para percorrer a distância Sol-Terra.
Monitoramento e preparação no Brasil e no mundo
A previsão precisa desses eventos ainda é um desafio científico, mas há um esforço internacional contínuo para monitorar o ambiente Sol-Terra. Organizações como a NOAA, a NASA e a ESA, além de observatórios solares espalhados pelo mundo, acompanham a atividade em tempo real.
No Brasil, o INPE é a principal referência nacional em estudos de clima espacial, atuando no monitoramento, emissão de alertas e desenvolvimento de protocolos de mitigação. O país também investe em projetos estratégicos, como o telescópio solar Galileo Solar Space Telescope (GSST) e a participação no satélite CBERS-5, que ampliam a capacidade de observação e resposta.
O ciclo solar atual e a necessidade de preparação
O Sol caminha para uma fase de alta atividade dentro do seu ciclo atual de 11 anos. Vieira alerta, porém, que o Evento Carrington histórico não ocorreu exatamente no pico do ciclo, e sim em sua fase descendente, indicando que eventos extremos podem ocorrer a qualquer momento.
O especialista defende que a principal preocupação não deve ser o pânico, mas sim o investimento contínuo em ciência, monitoramento e políticas públicas de mitigação. "A cobrança deve ser por sistemas robustos de previsão e por protocolos capazes de reduzir impactos econômicos e sociais", afirma Vieira. O grande desafio científico está em identificar sinais confiáveis antes da liberação abrupta de energia, processo associado à reconexão magnética nos campos magnéticos solares.
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