Influenciador é condenado por manter mulher em trabalho análogo à escravidão por 30 anos
Vítima trabalhou sem salário e dormia em maca de consultório ou depósito, segundo processo do TRT de Campinas.
O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15ª Região, em Campinas (SP), condenou o influenciador digital de medicina chinesa Peter Liu e sua família por manter uma empregada doméstica em condições análogas à escravidão por três décadas. A vítima, uma mulher de 59 anos que teve o nome preservado, prestou serviços sem remuneração regular e com jornadas exaustivas desde 1992.
Além de Peter Liu, que possui milhões de seguidores no YouTube e Instagram, foram condenados sua ex-esposa, Jane Liu, e os filhos do casal, Davi e Anni Liu. A família foi sentenciada a pagar R$ 400 mil em indenização por danos morais à ex-funcionária. A defesa dos réus já anunciou recurso.
Rotina exaustiva e ausência de salário
Segundo os autos do processo, a mulher, natural de Belo Jardim (PE), inciou os trabalhos como babá do filho mais velho do casal Liu em Recife, recebendo inicialmente um salário mínimo sem registro formal. A promessa de regularização, conforme o relato da vítima, nunca se concretizou.
A rotina da empregada era de 15 horas diárias de trabalho, das 7h às 22h, quando finalmente era permitido que se alimentasse. Ela era responsável por tarefas domésticas, cuidados com a família e serviços na clínica de medicina chinesa da família, onde também atuava como secretária após ser introduzida a conceitos básicos das terapias.
Condições degradantes e ameaças
A moradia da vítima era precária e instável. Em alguns períodos, ela dormia na maca do consultório que funcionava na residência da família; em outros, sua cama ficava em um depósito de materiais. O único dinheiro que recebia ao longo dos 30 anos eram trocos das compras realizadas para os Liu.
O processo relata que, em 2022, quando a mulher tomou ciência dos abusos e pediu o pagamento de salários, foi ameaçada de morte por Jane Liu, que também teria feito ameaças à família da empregada em Pernambuco. Um episódio citado pela filha Anni, que rompeu com os pais, narra que a funcionária foi picada por um animal peçonhento e não recebeu atendimento médico.
Rompimento familiar e ação judicial
A filha do casal, Anni Liu, que hoje vive com a ex-empregada, teve um papel ambíguo no caso. Ela foi condenada no mesmo processo, mas alega que, ao compreender a condição de escravidão, tomou medidas para retirar a vítima daquela situação, pagando por terapias e impedindo seu retorno à casa dos pais.
Foi com a ajuda de Anni que a vítima encontrou um advogado e moveu a ação. Em depoimento, Anni afirmou ter rompido os laços familiares devido ao tratamento dado à funcionária, a quem chegou a tornar sócia de uma empresa de saúde em Olímpia (SP) como forma de reparação. A defesa dos pais, no entanto, questiona a intenção da filha, sugerindo uma "trama armada" para obter valores da família.
Recursos e próximos passos
A defesa de Peter, Jane e Davi Liu recorre da decisão, alegando inexistência de vínculo trabalhista formal e classificando a ação como "temerária". Em nota, o advogado afirmou que os clientes "confiam na Justiça" e acreditam na reversão da condenação pelos tribunais superiores.
Anni Liu também busca ser excluída do processo, argumentando ter agido para libertar a vítima. O juiz responsável determinou o encaminhamento dos autos ao Ministério Público do Trabalho (MPT), ao Ministério Público Federal (MPF) e à Polícia Federal (PF) para possíveis investigações criminais. A defesa da vítima considera a indenização de R$ 400 mil baixa, dado o patrimônio familiar estimado em R$ 10 milhões.
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