Vaticano devolve artefatos indígenas históricos ao Canadá após mais de um século
Mais de 60 peças culturais retornam a comunidades originárias em processo de reconciliação com a Igreja Católica.
O Vaticano devolveu ao Canadá mais de 60 artefatos culturais indígenas que estavam sob sua guarda há quase um século. O carregamento simbólico, que inclui um raro caiaque de pele de foca, chegou ao Aeroporto Internacional Pierre Elliott Trudeau, em Montreal, no último sábado, sendo recebido por líderes emocionados das First Nations, dos Inuit e dos Métis.
A repatriação marca o encerramento de uma campanha de três anos das comunidades indígenas e cumpre uma promessa feita pelo falecido papa Francisco. O gesto ocorre no contexto do pedido de perdão histórico da Igreja Católica pelos abusos cometidos nas escolas residenciais para indígenas no Canadá.
Contexto histórico e disputa sobre a origem
Os artefatos haviam sido levados a Roma para a Exposição Missionária do Vaticano em 1925, um evento que durou 13 meses. O Vaticano sustenta que as peças foram "doadas" ao papa Pio XI, mas essa narrativa é contestada por indígenas e especialistas.
O professor Cody Groat, especialista em História e Estudos Indígenas da Western University, questiona a legitimidade de uma doação voluntária. Ele lembra que a coleção foi formada em um período de apagamento cultural forçado, quando práticas indígenas eram proibidas por lei e crianças eram enviadas para as escolas residenciais.
"É altamente questionável que esse processo possa ser considerado uma doação significativa e legítima", afirmou Groat à imprensa.
Um caminho de reconciliação
Os apelos pela devolução ganharam força em 2022, quando uma delegação de líderes indígenas se reuniu com o papa Francisco em Roma para tratar dos abusos nas escolas residenciais. Durante sua "peregrinação penitencial" ao Canadá, Francisco pediu perdão e prometeu a repatriação dos objetos.
A concretização do acordo, no entanto, ocorreu sob o atual pontífice, Leão XIV. No mês passado, o Vaticano e a Conferência Canadense de Bispos anunciaram oficialmente que os artefatos e sua documentação seriam "ofertados" de volta, descrevendo a medida como a conclusão do caminho iniciado por Francisco.
Próximos passos e significado profundo
Os objetos passarão agora por avaliação técnica no Museu Canadense da História, em Gatineau, Quebec, antes de serem redistribuídos às comunidades de origem. Especialistas indígenas participarão ativamente do processo de identificação.
"Queremos compreender exatamente de quais comunidades cada item veio e compartilhar esse conhecimento não apenas com os Inuit, mas com todo o Canadá", disse Natan Obed, presidente do Inuit Tapiriit Kanatami.
Para as lideranças, os artefatos são vistos como "ancestrais culturais", com valor espiritual e simbólico que transcende o histórico. Groat explica que seu retorno representa uma oportunidade crucial para a revitalização de práticas culturais interrompidas ao longo de gerações.
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