Israelenses enfrentam desafio de retomar vida após guerra com sensação de "balagan" no Oriente Médio
Jornalista relata o cotidiano de um país que tenta se reerguer sem espaço para celebrações, enquanto detalhes sombrios do cativeiro emergem.
Três semanas após o início de um cessar-fogo teórico com Gaza e com o Líbano, a população israelense enfrenta o desafio complexo de retomar a vida em meio a uma sensação generalizada de desordem e inquietação. A jornalista Miriam Sanger, que vive no país desde 2012, descreve um ambiente onde não há espaço para celebrações de vitória ou para a leveza hollywoodiana do pós-guerra, mas sim um "balagan" – termo hebraico para bagunça – que define o novo cenário do Oriente Médio.
O alívio por não acordar com sirenes de ataque e por ver ex-reféns retornando às suas famílias convive com a percepção de que muitos fatores ainda estão fora de lugar. A guerra, embora não em sua força total, permanece em um atrito diário, e a realidade no terreno é marcada por contradições e incertezas profundas.
Um cenário regional em desordem
O cenário que cerca Israel contribui para a sensação de desconforto. Grupos jihadistas na Síria propagam discursos contra Israel impunemente, enquanto o Catar exige mudanças nas regras do cessar-fogo. O Hamas, por sua vez, declara publicamente que só entregará as armas para um futuro "líder do Estado palestino", uma figura que ainda não existe. Internamente, a Faixa de Gaza está dividida entre áreas sob controle israelense e outras sob o descontrole do grupo terrorista.
"Em suma, bagunça — ou balagan, como se diz em hebraico", define Sanger. A jornalista relata que, após três semanas fora do país, retornou e foi impactada por uma "descarga elétrica" de detalhes e questões em aberto, mergulhando em um "cansaço psíquico" compartilhado por muitos israelenses.
Os detalhes sombrios do cativeiro
Um dos símbolos mais fortes da dificuldade de retomada é o depoimento da ex-refém Arbel Yehud, libertada após 482 dias em poder da Jihad Islâmica, grupo descrito como ainda mais cruel que o Hamas. Seu relato à TV israelense trouxe à tona detalhes brutais do cativeiro que ecoam os horrores do ataque de 7 de outubro.
Yehud revelou que seus captores não a permitiam chorar – "Eles não gostam de choro" –, forçando-a a aprender a fazê-lo sem emitir som. Outra sequela foi a perda da voz: ela desaprendeu a falar normalmente e ainda luta para se comunicar sem recorrer a sussurros. Durante a entrevista, a ex-refém mostrou uma sandália típica palestina, um chinelo de couro, abandonado perto de sua casa.
"Havia sandálias assim espalhadas por todo o kibutz depois da invasão", contou. Esse detalhe evidencia que muitos dos cerca de 3 mil invasores eram civis "a passeio", que entraram no país usando chinelos. Dentro das casas das vítimas, sentiram-se à vontade para trocar seus calçados pelos dos israelenses, em um ato descrito por Sanger como parte de uma "limpeza completa" que incluiu o roubo de brinquedos, lingeries e tratores.
A longa estrada pela frente
Para Miriam Sanger, esses detalhes revelam um "aspecto muito sombrio do ser humano" e levantam a pergunta central: "Como retomamos daí?". A resposta, segundo ela, exigirá tempo e oxigênio. Apesar do cansaço e da complexidade do momento, a jornalista finaliza com um tom de resiliência cautelosa: "Mas ela virá". O processo de reconstrução, tanto físico quanto psicológico, para as famílias israelenses que enfrentaram dois anos de guerra, está apenas começando.
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